A palavra “você” não faz parte do cotidiano no RS. Ela não se encaixa na nossa escrita nem na nossa fala, é quase como se não existisse.
Aqui, nos tratamos por “tu” e se for necessário maior respeito ou formalidade, falamos senhor ou senhora. Usar “você” na fala causa um estranhamento imediato, um tipo de distanciamento.
Tenho muita dificuldade em escrever “você”, me sinto uma traidora como se abandonasse tudo o que sou e o lugar de onde venho e me tornasse outra pessoa. Descobri que muita gente aqui sente assim.
Este conflito linguístico deve ser curioso para quem nos vê de longe, porque no final das contas ” tu e você” são a mesma pessoa só que para nós o “tu” aproxima e o “você” distancia.
Passando estes dias em São Paulo a sensação ficou mais forte, porque é “você” pra todo lado. Toda vez que abro a boca e digo um “tu”, em seguida vem um sorriso e a pergunta que afirma: ” Você é do Sul.”
Como pode tanta força em palavras tão pequenas?
Na fila pra comprar a biografia da Fernanda Montenegro, no Theatro Municipal, a todo momento um rapaz atualizava a informação sobre quantos exemplares autografados ainda estavam disponíveis para venda.
Ia e vinha a todo instante e dizia: “O último autografado vai pra você.” Nesse vai e vem, eu fui este “você” algumas vezes. Outras foram pessoas que estavam atrás de mim, mas no final da história , o último “você” foi um rapaz à minha frente.
Fiquei chateada por não ter conseguido, mas estar ali com o ingresso na mão já era bênção pra pelo menos três vidas – graças à Míriam, que conseguiu os ingressos num passe de mágica, garra e muito carinho.
Quando chegou minha vez disse ao rapaz que tinha vindo de muito longe para não levar o livro autografado e pedi que ele o fizesse pra mim. Ele achou (e perdeu a) graça e sorriu me dizendo: “VOCÊ não pode pedir isso para mim, não sei o que escrever”. Eu respondi: ” TU podes sim, escreve qualquer coisa que te vier à cabeça.”
Ele pegou o livro, perguntou meu nome, escreveu algo e me entregou. Depois de assistir extasiada a fala da nossa grande Dama, na frente do velho Teatrão, abri meu livro.
Naquele momento pouco me importavam os pronomes, me importava ter estado naquele templo sagrado, na presença da nossa amada Dama e a mensagem simbólica que o rapaz deixou pra mim.
Algo me diz que um dia ainda vou trocar os pronomes.
OUTUBRO DE 2019
Troque os pronomes, mas jamais deixes de ser Tu. Tua beleza é para ser e brilhar livre, por inteiro!
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Tu!
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Sinto muito ti.
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S2
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